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A FRAUDE NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE ‘EMPRESAS DE DONO’

A Recuperação Judicial foi criada para permitir que empresas viáveis enfrentem crises financeiras sem recorrer à falência. Mas o cenário brasileiro tem mostrado que esse instrumento, embora essencial para a preservação da atividade econômica, vem sendo cada vez mais apropriado por empresas de controle concentrado. Nesses casos, onde há forte presença de sócios fundadores ou grupos familiares, os riscos de desvio de finalidade aumentam consideravelmente.

Quando falamos em “empresa de dono”, estamos nos referindo a estruturas empresariais altamente centralizadas, com pouca separação entre a pessoa física do controlador e a pessoa jurídica da empresa. Essa sobreposição cria um ambiente propício para manobras que dificultam a transparência e o controle do processo de recuperação. Em muitos casos, a proximidade entre o gestor e a operação permite o redirecionamento de ativos, a criação de empresas paralelas ou até a continuidade da atividade econômica por meio de terceiros, enquanto a empresa em recuperação permanece sem liquidez real.

Esse tipo de conduta compromete diretamente os credores. Além de reduzir drasticamente as chances de recebimento, enfraquece a confiança no próprio sistema de Recuperação Judicial. Muitas vezes, as empresas solicitam a recuperação já com a estrutura interna preparada para proteger o patrimônio pessoal dos sócios e manter as operações sob nova roupagem jurídica. O que deveria ser um mecanismo para reestruturação saudável da empresa se transforma em uma estratégia para blindagem patrimonial.

Casos recentes têm evidenciado esse padrão. A empresa em recuperação continua operando por meio de subsidiárias ou outras empresas criadas pelos mesmos controladores, enquanto o passivo da companhia original permanece sem solução. Quando há tentativa de responsabilização, os controladores alegam separação formal entre as pessoas jurídicas, dificultando a aplicação de medidas efetivas.

Embora o ordenamento jurídico brasileiro preveja instrumentos como a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização de sócios por fraude, sua aplicação é limitada. Em processos de Recuperação Judicial, essas medidas encontram ainda mais obstáculos, pois a condução do processo costuma ser concentrada e pouco permeável à fiscalização externa. A atuação do Ministério Público é restrita, e os credores, muitas vezes, não têm acesso a informações completas sobre a real situação da empresa ou de seus controladores.

É nesse ponto que o papel do credor se torna crucial. A análise atenta da estrutura societária, do histórico recente de movimentações patrimoniais e da composição dos grupos econômicos relacionados à empresa em recuperação pode revelar indícios de fraude que justificam medidas mais incisivas. Solicitar perícia contábil, apontar contradições nas demonstrações financeiras e requerer a inclusão de outras empresas no polo passivo são caminhos legítimos e necessários.

Com mais de três décadas de experiência no setor, a Líder Cobranças tem acompanhado de perto a crescente sofisticação das fraudes em processos de Recuperação Judicial, especialmente em empresas de dono. Nossa atuação especializada inclui a identificação de padrões de blindagem patrimonial, análise técnica de documentos societários e contábeis e apoio estratégico à tomada de decisões por parte dos credores.

Preservar a função social da Recuperação Judicial exige diferenciar claramente os casos de crise legítima daqueles em que o processo é utilizado como escudo para má gestão ou condutas fraudulentas. A responsabilidade, nesses casos, não pode ser atribuída à empresa como abstração, mas sim às pessoas físicas que tomaram as decisões e que, muitas vezes, continuam à frente de novos negócios mesmo após a insolvência declarada da companhia original.

Recuperar crédito em cenários assim exige rigor técnico, conhecimento profundo da legislação e atuação estratégica. Mas também exige vigilância constante. A Recuperação Judicial deve ser um caminho para a reestruturação real e responsável, não uma porta de escape para quem deseja manter o controle da empresa, evitando os efeitos da própria gestão.

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