A Recuperação Judicial foi criada como um instrumento legítimo para preservar empresas viáveis em momentos de crise, protegendo empregos e mantendo a atividade econômica. No entanto, o cenário brasileiro tem revelado um desvirtuamento crescente dessa ferramenta, transformando-a em uma verdadeira “indústria da recuperação judicial”, marcada por práticas abusivas e prejuízos significativos a credores, fornecedores e trabalhadores.
Nos últimos anos, diversos casos emblemáticos escancararam o uso estratégico da recuperação não como forma de reestruturação, mas como manobra para evitar obrigações legítimas. Episódios como os das Lojas Americanas, com inconsistências contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, da 123 Milhas, envolvendo mais de 700 mil credores, e o caso Polishop, com proposta de deságio de 90% e prazo de pagamento de dez anos, exemplificam como a ferramenta vem sendo utilizada de forma distorcida. Outro caso notório é o da Coteminas, do presidente da FIESP, com dívidas superiores a R$ 2 bilhões.
A análise técnica de especialistas como Ronaldo Corrêa Martins reforça que muitos empresários vêm usando a Recuperação Judicial para escapar de dívidas geradas por má gestão, com o agravante da atuação de fundos de investimento oportunistas — os chamados stress funds — que adquirem créditos com deságios elevados e pressionam por condições ainda mais prejudiciais aos credores originais.
Entre as principais fraudes praticadas, destaca-se o desvio de finalidade — quando o processo é movido não para salvar o negócio, mas para evitar o pagamento de dívidas legítimas. Soma-se a isso a prática de deságios excessivos, que reduzem em até 90% o valor devido, comprometendo a saúde financeira dos credores, especialmente pequenos fornecedores. Outro esquema recorrente é a transferência fraudulenta de ativos, com a movimentação patrimonial para empresas controladas pelos mesmos sócios antes do pedido de recuperação, esvaziando a massa patrimonial e blindando os bens dos verdadeiros controladores. Em paralelo, fundos especializados distorcem a lógica do processo ao adquirir créditos em massa e influenciar votações de planos com foco exclusivo em lucro imediato.
Essas condutas, muitas vezes, configuram crimes empresariais. A Lei 11.101/05 tipifica fraudes contra credores e gestão temerária. Já o Código Penal e a Lei da Concorrência punem falsidade ideológica e manipulação de mercado. Diante disso, o Judiciário tem buscado respostas. A Lei 14.112/2020 incorporou o artigo 51-A, que permite ao juiz determinar perícia prévia em casos de indícios de fraude. Tribunais como o TJSP já adotam jurisprudência permitindo essa medida antes mesmo do processamento da recuperação, com o objetivo de evitar abusos logo na origem do pedido.
Para os credores, a vigilância começa com a identificação de sinais de alerta: propostas de deságio superiores a 70%, carências muito longas, planos de pagamento inexequíveis, transferências recentes de ativos, e inconsistências nas demonstrações financeiras. A participação ativa no processo, o acompanhamento técnico do plano e a solicitação de perícia especializada são medidas essenciais. Em casos graves, a denúncia ao Ministério Público também se faz necessária.
A atuação de empresas especializadas torna-se, nesse cenário, um diferencial estratégico. Com 38 anos de experiência, a Líder Cobranças desenvolveu expertise específica na análise técnica de processos de Recuperação Judicial, com metodologias próprias que integram análise jurídica, financeira e investigativa. Avaliamos riscos, detectamos padrões fraudulentos, protegemos os interesses de credores e orientamos estratégias para maximizar a recuperação de créditos em processos complexos.
O futuro do instituto da Recuperação Judicial depende de um tripé fundamental: aprimoramento legal, capacitação técnica e compromisso institucional. É necessário fortalecer os mecanismos de controle, ampliar a participação de credores e terceiros no processo, e garantir maior transparência dos atos judiciais. Magistrados, promotores, advogados e credores precisam atuar de forma coordenada para distinguir o uso legítimo da recuperação de seu uso fraudulento, responsabilizando os agentes que abusam do sistema sem criminalizar a atividade empresarial de boa-fé.
Preservar empresas em dificuldades reais é essencial para a economia. Mas permitir que o instituto seja explorado como manobra de blindagem patrimonial ou como estratégia de impunidade compromete sua função social e prejudica toda a cadeia produtiva. O combate a fraudes em Recuperação Judicial é, portanto, uma responsabilidade coletiva — e permanente.