A Recuperação Judicial foi concebida como um mecanismo de preservação da atividade econômica. Uma ferramenta jurídica voltada à manutenção de empresas viáveis, proteção de empregos e continuidade da cadeia produtiva. No entanto, a experiência prática no Brasil mostra que, em muitos casos, esse instrumento vem sendo distorcido. Os processos se tornaram longos, opacos e, por vezes, marcados por suspeitas de fraudes ou má gestão.
Pela Lei 11.101/2005, o prazo máximo para a fiscalização judicial do cumprimento de um plano de recuperação é de dois anos, conforme determina o artigo 61. Na realidade, no entanto, diversos processos ultrapassam esse limite com folga. Alguns chegam a se arrastar por mais de uma década. Essa perpetuação processual não apenas compromete a efetividade do instituto como também abre espaço para o surgimento do que tem sido chamado por especialistas de “indústria da Recuperação Judicial”.
Casos como o da operadora Oi ilustram esse cenário. A empresa entrou em recuperação em 2005 com dívidas de R$ 65 bilhões, permaneceu em processo até 2022 (17 anos) e, mesmo após encerrar essa etapa, ingressou com novo pedido para reestruturar R$ 44,3 bilhões. Outros exemplos emblemáticos incluem a Viação Itapemirim, cujo processo se iniciou em 2016 e continua ativo, e o do Banco Santos, em tramitação desde 2005. Há também casos como o da Construtora Marialva, com quase 30 anos de judicialização. Nessas situações, não é raro identificar sinais de esvaziamento patrimonial, disputas por controle da massa falida, nomeações judiciais questionáveis e estruturas societárias paralelas.
Diante da ineficiência sistêmica e do impacto econômico provocado por processos tão prolongados, o Congresso Nacional iniciou uma movimentação para modernizar e ajustar a legislação. O Projeto de Lei nº 3/2024, apresentado pelo Ministério da Fazenda, tem como um de seus objetivos centrais a redução do tempo médio de tramitação de Recuperações Judiciais no Brasil, atualmente estimado em 11 anos, segundo dados do próprio governo. Além disso, a proposta busca aprimorar mecanismos de recuperação de ativos, tornar os processos mais transparentes e reduzir o custo do crédito, beneficiando o ambiente de negócios como um todo.
Outro ponto de atenção no debate jurídico é o uso recorrente do instrumento da Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ). Embora previsto no Código de Processo Civil, sua aplicação exige base técnica robusta, sob pena de comprometer a segurança jurídica. Tribunais superiores vêm reforçando que a desconsideração deve ser medida excepcional, aplicada apenas quando houver indícios claros de confusão patrimonial, desvio de finalidade ou fraude. Nunca como uma estratégia genérica para atingir pessoas físicas ou empresas relacionadas sem o devido contraditório e prova.
Para credores e demais interessados nos processos, é fundamental estar atento a determinados indícios que podem sinalizar problemas mais profundos. Planos com deságios excessivos, muitas vezes acima de 80%. Propostas com prazos de carência longos demais. Movimentações patrimoniais recentes envolvendo empresas do mesmo grupo. Inconsistências contábeis. Criação de novas empresas por controladores pouco antes do pedido de recuperação, entre outros.
O combate à má utilização da Recuperação Judicial exige uma combinação de medidas legislativas, fiscalização técnica, atuação coordenada do Poder Judiciário e participação ativa dos credores. Também é fundamental fortalecer a capacitação dos administradores judiciais e garantir que perícias e análises econômicas sejam feitas por especialistas, com base em dados objetivos.
Com 38 anos de experiência no setor, a Líder Cobranças acompanha de perto a evolução desse cenário. Atuamos com metodologia própria e equipe multidisciplinar na identificação precoce de fraudes, análise de viabilidade econômica de empresas em recuperação e proteção técnica dos interesses dos credores. Nosso compromisso é com a integridade do processo e com a preservação legítima da função social da empresa, sem abrir espaço para distorções ou abusos.
A Recuperação Judicial continua sendo um instrumento fundamental, mas precisa ser aplicada com responsabilidade, transparência e foco na reestruturação real. Processos indefinidamente prorrogados, sem entrega de resultados, apenas perpetuam insegurança e alimentam desconfiança. O aperfeiçoamento do sistema é urgente e responsabilidade de todos os seus operadores.